sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Pode me tirar da geladeira

Talvez seja eu, sim. Quase todos os dias blasfemo algo, alguém, o dia, o mundo. Talvez tenha engolido um bocado de cinza e agora isso é tudo o que sou. Não enxergo mais lados bons, não me animo com pizza de calabresa, não quero visitar ninguém. Azedei. Sim, se fosse comida estaria azedo não por ter o prazo de validade expirado, mas por manuseio inadequado. A vida me tratou como jamais se trata um caldeirão de feijoada, tampando depois de desligar o fogo. Fui mexido com colheres cheias de saliva, pousaram moscas em minha superfície. Não caibo mais em mim de tanto mofo e bolor. Sou leite que não serve nem pra coalhada, nem pra iogurte. Sou resto da ceia de natal, e já estamos quase no carnaval. Não adianta me temperar, requentar, jogar ovo frito em cima. Ao contrário do que profeciam glutões, nem tudo vai bem com azeite, molho shoyu ou catchup. Não me encaixo, não caio bem refogado com alho, vejam como é séria a situação. Já me sinto lixo orgânico na lixeirinha da pia da cozinha, revestida com sacola de mercado. Me liberta, me deixa seguir meu caminho e adubar algum pé de comigo-ninguém-pode nas caqueiras do destino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário