segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Da onipresença

Tenho facilidade tremenda para nutrir ódio pelas pessoas. O merecimento é discutível, os motivos são questionáveis... apenas as odeio. Intensamente. 

É assim em toda parte, seja a passeio ou a trabalho. Sempre não vou com a cara de alguém, instintivamente. E se sou obrigado a rever a figura outras vezes, sou consumido por um asco lancinante, por uma vontade de expurgar a existência daquele ser, ou de juntar algumas mudas de roupa em minha valise e partir para bem longe. 

Como se adiantasse! Chegado em novo ambiente, logo surge uma ou mais detestáveis criaturas para me inquietar. Caso me dedicasse a fazer mal a todas elas, poderia me tornar um serial killer, um genocida, um terrorista. Feliz ou infelizmente, ao invés disso entrego minha raiva como alimento para a gastrite. 

Um desses gurus que falam na televisão disparou essa, certa feita: "tem algum problema eu ter vontade de atropelar alguém? não... contanto que eu não atropele, isso é bastante normal". É isso, eu tenho vontade de atropelar uma boa porcentagem das pessoas que me rodeiam, como naqueles jogos em que você ganha bônus ao acertar vários pedestres de uma vez. 

O mais sensato seria se pudéssemos conviver apenas com pessoas que nos são agradáveis, leves ou, para me manter cético, suportáveis. No entanto, as escolhas que fazemos rotineiramente (uma oferta de trabalho aceita, um relacionamento iniciado, a matrícula em um curso) nos aprisionam lado a lado a toda sorte de pessoas. No meu caso em particular, sempre há alguém detestável acorrentado a mim, canela-com-canela.
Nesses momentos a gente arfa, medita, respira fundo, engole seco, ignora, foge, inventa desculpas, usa fone de ouvido, fecha os olhos, prende a respiração... mas elas continuam ali. Sorridentes, em sua maioria. Seres enviados pelo capeta para nos presentear com uma avant-première do inferno. 

Algum psicólogo poderia dizer "nunca parou para pensar se o problema não está em você?" - e a partir daquele momento ele seria convertido à infindável lista dos insuportáveis, fazendo daquela a minha última sessão. Sim, o problema está em mim, como está em todos nós. Sou extremamente tolerante com todas as pessoas, mas porque preciso. Tolerar não é uma ação gratuita. Pelo contrário, custa caro, reflete na saúde, no bem estar, na sanidade mental, na vontade de viver. 

Ao menos a cada mudança de emprego ou de endereço, a cada fim de curso ou de relacionamento, a cada 100 metros caminhado, livro-me de um pé no saco (ou de vários pés, mãos e cotovelos no saco), o que me dá a oportunidade de respirar por 30 segundos. 

Não mais do que isso, pois rapidamente surge um novo sorridente enviado pelo capeta para apertar minha mão e dizer que é meu novo colega de trabalho, meu novo vizinho, meu novo síndico. Eles estão por toda a parte, a verdade é essa. 

Afastar todos eles é tarefa impossível. Não dá pra viver sem gente chata por perto, a não ser que se isole no topo de uma montanha ou coisa que o valha. E o pior, para sermos realistas na avaliação, as pessoas legais não são tão legais quanto os chatos são chatos. Há um desequilíbrio significativo na balança. 

Sim, porque quem é legal está ocupado em viver, tomar conta de si mesmo, dos seus pares, de contribuir para a melhoria da sociedade ou sei lá o que as pessoas legais fazem. O que quero dizer é que essas raridades quando surgem têm muito pouco a nos oferecer. Apenas meia hora de prosa acompanhada por um café, um e-mail encorajador no dia do seu aniversário, uma partida de poker num sábado vazio. 

Os insuportáveis, por outro lado, o são em horário integral. Colocam veneno em cada gesto, em cada ação, em cada comentário, de domingo a domingo. Eles nos sufocam sistematicamente, estão sempre presentes, à postos para despertar em nós tudo de mais desagradável. 

Faço este punhado de observações baseado não nesta semana que passou, mas em toda a minha vida. Desde as primeiras recordações, de quando era um reles pirralho, lembro-me da presença inquietante de algum ou alguns seres que me faziam querer ir pra casa jogar videogame. Sim, naquele momento eu ainda não entendia como funcionava o mundo, não conseguia classificar as pessoas, mas já tinha o meu topo de montanha. O videogame era meu isolamento, meu refúgio contra todos os que não me agradavam, contra os tios e tias irritantes, contra as crianças briguentas, contra o mundo lá fora. 

Recolhido em meus aposentos, eu me fazia super mario para pular na cabeça de quem não gostava, e assim fazê-los desaparecer. Funcionou muito bem por um tempo, até que a minha vizinha morreu e na casa dela foi morar um gordinho mais ou menos da minha idade. Ele enfiou a cabeça na janela do meu quarto, que dava para a rua, e acabou com a minha raça: "oi, sou seu novo vizinho. Abre ali pra gente jogar junto?"

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