segunda-feira, 14 de maio de 2012
Chá de gergelim, naufrágio e um passo à frente
Uma grande inspiração. Com essas palavras, em letra de forma, rabiscadas em um papel tamanho A6, já preenchido por dezenas de outros garranchos, expressei sucintamente a maneira como enxergava, naquele momento, alguém em plena ascensão, e de postura elegante, discreta, porém pragmática e eficaz. Dias depois, respondeu-me com sorriso envergonhado, ter gostado da mensagem. O afago na vaidade, no entanto, se perdeu no tempo. E poucos meses depois, veio de fato a resposta dura, seca, desagradável, porém verdadeira. Sou o avesso de uma inspiração. Ou melhor, estou assim, haja vista que a observação não se dirigia a minha pessoa, mas a atuação pífia em um período de tempo. Medindo as palavras, imbuída de um visível constrangimento, teve a iniciativa de me convidar a um bate-papo aparentemente despretensioso que, logo nos primeiros segundos, revelou-se ser o primeiro punhado de terra jogado nesta etapa profissional em que me encontro. Foi sincera, utilizando-se de comentários cirúrgicos para resumir um descontentamento generalizado, vale ressaltar, mais do que justo. Pego de surpresa, acoado, agi de maneira medíocre. Fiquei na defensiva, enumerando possíveis conquistas, na realidade não concretizadas, relatei incompatibilidades, indisposição com algumas pessoas, e o suposto pronto-atendimento a demandas vindas de cima. Fui verdadeiro. E completamente falso. "Fale com o coração", disse-me, com uma frieza de quem não acreditava em nada. Reconheci dificuldades, obstáculos, revelei esforços cotidianos. Em vão. Entre uma pausa e outra, telefonou para a secretária trazer algo para saciar sua fome. Bolacha com chá de gergelim. Aproveitei a pausa para ler todas as entrelinhas daquela conversa. Ofereceu-me o lanche e, por impulso, disse que nunca bebo chá. De fato não bebo, mas não estava falando do chá, estava apenas sendo incompetente em falar-lhe toda a verdade. Disse-me que observa pessoas, gestos, posturas, independente de palavras. E, como num ato de misericórdia, ofereceu ajuda para quaisquer dificuldades futuras. Não sabia ela que havia disparado um gatilho. Acendido um estopim que começou a queimar em alta velocidade. Não digo isso por me achar essencial, mas por reconhecer quando um castelo de areia, ou de cartas de baralho empilhados, como queira, insiste em se desmanchar, a despeito dos esforços alheios. Foi um grande gesto me convidar para aquela conversa. Faltou apenas considerar o contexto. O que vem desabando desde o princípio, e o potencial para levar tudo ao chão. Retirar a décima segunda peça de um quebra-cabeça sem coerência. Tenho falhado, sim, juntamente com uma grande pequena equipe. Uma falha coletiva que não vai acabar tão cedo, ao menos da maneira como enxergo. Fragilizado diante de uma centena de outros detalhes desconhecidos de minha interlocutora, vesti naquele momento meu colete a prova d'água, e estou com os pés na água aguardando o momento de abandonar um barco que afunda. Não sem lamentar pelo naufrágio. Não sem reconhecer minhas falhas enquanto tripulante, não sem reconhecer a falha inicial de ter embarcado em um projeto fadado a este fim (especialmente no que diz respeito a capital humano). Nietzsche, sempre ele, nos fala do quanto morremos ao longo da vida. Cada período como este representa um fim de nossa existência, e um recomeço. De luto por nós mesmos (ou não), reconstruímos uma nova história, e isso é essencial para seguir adiante. É bom falhar. Muito bom. Melhor ainda quando temos consciência plena da falha, dos motivos que levaram a ela, das circunstâncias que nos levaram a uma serie de equívocos, de nossa parcela de culpa, e de termos poder e forças suficientes para colocar um ponto final e recomeçar. É bom perceber o quanto demoramos para atuar no que desde o princípio não nos parecia correto. É bom levar um pé na bunda de alguém que não valia a pena. É bom se livrar de um vício. É bom ter livre-arbítrio para decidir o que fazer com seu próprio tempo. É ótimo ter a chance de improvisar com responsabilidade. Ter convicção de que é possível se reinventar, abrir um caminho no meio de uma bifurcação. Se livrar de amarras, de problemas reais, de problemas que só existem em nossas cabeças, de pessoas que não nos acrescentam. É excelente ter "balls" para ser radical quando mente e coração se alinham e nos apontam para uma direção nova. Mesmo que desconhecida, mesmo que arriscada, mesmo que desaconselhável por meia dúzia de quem conhece um doze avos de nosso cotidiano. Primordial, nessas horas, é poder contar com quem nos ama, ou ao menos nos tem algum apreço, admiração, respeito. É confortante olhar para trás e para os lados e perceber que nós somos muito mais do que agora, do que um determinado papel que concordamos em assumir. Antes disso, há uma infinidade a ser considerada. Reconhecer o caminho que trilhamos com competência, as horas que dedicamos a uma infinidade de conhecimentos que consideramos válidos, de amizades que cultivamos, a maioria delas despretensiosamente. Saber de que ao menos os dedos de uma mão são capazes de contar criaturas que acreditam no nosso talento e se interessam verdadeiramente por eles. Não por cortesia, mas por benefício recíproco. Nenhum homem é uma ilha, a não ser por opção. E se fôssemos ilhas, a trajetória seria galgada na construção de pontes sólidas. De laços firmes. Conexões que nos torna, a cada dia, ainda mais sólidos, ainda mais convictos do que somos, do que podemos, de nosso limites, que podem e devem ser ultrapassados de mãos dadas com quem nos respalda. E diante disso problemas são minimizados, até desaparecem, tornam-se oportunidades, criam molas propulsoras para alcançarmos o que antes parecia inalcançável. São essas forças que devem ser levadas em consideração em nossas grandes decisões, por mais que pareçam impulsivas. Sim, porque as pequenas decisões do cotidiano são aquelas que exigem nossa razão, nosso pragmatismo. Mas, se há planejamento, se há precaução, se há coragem e se somos fiéis a nossas convicções, as grandes decisões não só podem, como devem, ser guiadas por pura emoção. Pelo nosso inconsciente, onde estão arquivadas uma tonelada e meia do que somos, do que queremos de verdade. Pensar com o coração, ser 'irresponsavelmente' coerente com nossos desejos. E seguir em frente de cabeça erguida, apoiado em quem somos em nossa essência, em quem somos não isoladamente, mas no contexto em que vivemos. É ter os pés no chão, a ambição de sempre, o orgulho do caminho percorrido e o pleno conhecimento do próprio potencial.
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